Opinião: "Cartão de memória: por um futebol com erros" por João Tiago Figueiredo

Caros leitores escrevo-vos de 2030. 
  
Antes que perguntem, 2030 não é nada de especial. Não existem aquelas coisas que vos falavam antigamente como naves espaciais, teletransporte ou um Portugal sem crise. 
  
É mais ou menos como o vosso 2015, embora admita que haja uma ou outra coisa melhor. Este último filme do Manoel de Oliveira, por exemplo, é, de facto, muito bom. Há até lá uma cena capaz de arrancar um sorriso. Duas, para quem achar graça a silêncios. 
  
O futebol, motivo que me leva a escrever-vos, já atravessou, contudo, melhores dias. Coisas de arbitragem, como é óbvio. 
  
Mas antes, as boas notícias: acabaram as simulações. O intensómetro, inventado no segundo mandato de Luís Figo à frente da FIFA, veio ajudar e de que maneira os árbitros. Em meio segundo têm a resposta nos óculos especiais, depois de o chip (obrigatório no corpo de cada jogador) averiguar se houve, ou não, motivo para a queda. Uma boa ideia, não é? Nem por isso. 
  
Durante muito tempo esta invenção fez o futebol definhar. Ficou parecido com a Fórmula 1, aquele campeonato que existia no vosso tempo. Tanta evolução tecnológica minimizou o erro e tirou-lhe a piada. Toda a gente sabe que o mundo só evolui com erros. 
  
Foi preciso Cabral enganar-se para se chegar ao Brasil ou Jesus aprovar Bruno Cortez para chegar Siqueira. 
  
Sem erros acabou o futebol no café. Muito se escreveu sobre isso, mas, passado este tempo todo, compreendo perfeitamente os motivos. Falar de quê? Um golo? Uma boa jogada? 
  
Acabaram os programas desportivos porque não havia casos para discutir, como é lógico. Os estádios ficaram ainda mais vazios porque não fazia sentido insultar quem acertava sempre. Era só mau gosto e, aos poucos, perdeu a piada.
  
Até que alguém viu a luz. «Eureka!» 
  
As mãos! No meio de tanta mudança permaneceu intacta a lei que diz que um toque com a mão deve ser intencional para ser marcada falta. Ora, era esse lado dúbio que estava a faltar ao futebol. E foi-se por aí. 
  
Acabaram as simulações, começaram os tiros à mão. Deixou de medir-se a intensidade e passaram a medir-se as intenções. Tem sido igualmente giro e a verdade é que faz lembrar muito o futebol de outrora que já parecia esquecido. O do vosso tempo. Futebol ou tiro-à-mão, como também lhe chamam. 
  
Tem dado conversa, confusão. Ninguém se interessa muito por mudar essa regra porque, na verdade, dá jeito. O árbitro voltou a errar e muita gente respirou de alívio. Já se pode falar de futebol outra vez em paz. Ou em guerra. 
  
Bob Paisley, treinador do Liverpool, disse um dia: «Quando estiveres na grande área e não souberes o que fazer à bola, mete-a na baliza e depois discutimos as opções.» 
  
Nós mudamos a máxima: «Se não a meteres na baliza, ao menos vê se acertas numa mão.» 


Fonte: Mais Futebol

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