10 Questões a... Olegário Benquerença


O site de arbitragem RefereeTip.com e o site institucional da APAF - Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol iniciaram recentemente uma parceria online intitulada “10 Questões a…”.

Nesta rubrica, comum aos dois websites, convidamos semanalmente uma personalidade a responder a 10 questões relacionadas com a arbitragem.


Esta semana convidámos o “mundialista” Olegário Benquerença a falar sobre a sua carreira e a dar a sua opinião sobre o futebol e arbitragem em Portugal.

1. O que te fez entrar para a arbitragem?
A minha entrada na arbitragem deveu-se a uma enorme paixão e gosto pela causa. Desde muito cedo (5 anos) que convivi semanalmente com árbitros, acompanhando o meu pai nesta actividade. Quase posso dizer que aprendi a ler com o livro das Leis do Jogo. Arbitrei o meu primeiro encontro quando tinha, sensivelmente, 10 anos e, apesar de ter sido jogador, esta foi sempre a actividade que sonhei para mim.

2. Passados alguns meses da tua presença no Mundial de Futebol, que balanço fazes e como “olhas” para esse momento da tua carreira?
Tal como já referi inúmeras vezes, a minha ida ao Mundial foi o culminar do sonho de uma vida. Na sequência do que disse na resposta anterior, o 1º Mundial de que tenho memória foi em 1978, na Argentina. A coincidência de, nesse Campeonato, estar um árbitro de Leiria (António Garrido), avivou mais ainda esse desejo. Numa fase, como criança, em que via o Mundial na TV e conhecia, ainda que muito superficialmente, um dos seus protagonistas, cresceu em mim a sensação de querer estar ali e viver aquelas emoções. Fui, de facto, um privilegiado em poder construir uma carreira e materializar esse sonho com a presença na África do Sul. O balanço é, muito naturalmente, muito positivo. Tive o privilégio de fazer 3 jogos, chegar aos quartos-de-final e sair da competição sem qualquer erro que pudesse ter manchado a minha passagem pela prova. Finalmente, quero deixar claro que tudo isto foi possível graças à minha enorme força de vontade, luta contra diversas resistências externas, contando com a colaboração excepcional de um conjunto de profissionais de excelência e, principalmente, uma dupla de Árbitros-Assistentes que são do melhor que o Mundo tem. José Cardinal e Bertino Miranda foram, são e serão, para mim, a melhor dupla de assistentes do futebol mundial!

3. Como analisas a situação da arbitragem actual, mais concretamente a sua formação, a organização/estrutura e os árbitros da actualidade comparativamente com o que aconteça no teu início de carreira?
Nem sei como deva responder a esta questão. É claro que a formação e estrutura (futebol profissional) estão, incomparavelmente, melhor do que quando iniciei a minha carreira. A organização federativa / associativa é a mesma e padece dos mesmos vícios e falta de visão que existia no passado. Os dirigentes, salvo honrosas excepções, são os mesmos e com a mesma falta de estratégia ou capacidade para ajudar e promover a evolução, não acompanhando, a maior parte deles, a própria evolução dos árbitros. O que melhorou, na minha opinião, foi o nível social, qualitativo e intelectual dos árbitros, resultado também, como é óbvio, da evolução natural da própria sociedade. Continuamos, contudo, a ter estruturas anquilosadas e a funcionar como forças de bloqueio ao necessário passo em frente da nossa arbitragem. Acredito que, daqui a meia dúzia de anos, a arbitragem portuguesa possa ter esse salto, nomeadamente com a chegada ao dirigismo de alguns dos árbitros actuais. A estrutura vive hoje numa realidade de “pirâmide invertida”, ou seja, a base (árbitros) está mais evoluída que o topo (dirigentes). Quero, contudo, deixar uma palavra de solidariedade e estima para os muitos dirigentes distritais que, com enorme dificuldade e sacrifício pessoal, continuam a fazer autênticos milagres para conseguir manter a arbitragem nas suas organizações.

4. O que de melhor e o que de pior existe na arbitragem e no futebol em Portugal?
O melhor é, sem qualquer dúvida, o quadro de árbitros. Pese embora ainda subsistirem algumas “almas” e resquícios de um certo passado, o actual quadro é composto por jovens de grande qualidade, seriedade, dedicação e, acima de tudo, independência material e moral. Só quem não quer ver e teima em atirar poeira para os olhos de terceiros, pode negar esta evidência. O pior é, infelizmente, a falta de visão estratégica da maioria dos dirigentes e a sistemática luta de poderes que teimam em descredibilizar a arbitragem e os árbitros. Lamento ainda não existir um sistema disciplinar forte e com penas severas para os comportamentos desviantes, o que impede uma eficaz limpeza e separação entre “trigo” e “joio”.

No futebol, o melhor é mesmo a bola e a relva (nem em todos os estádios, diga-se). O pior é, a larga distância, o sector dirigente. Já não há “pachorra” para algumas caras, discursos e comportamentos… Em 20 anos, mudaram os jogadores, treinadores e árbitros. Diz-se que o futebol não mudou. Se assim é, porque não experimentar mudar os que ainda são os mesmos? Entretanto, assistimos também ao surgimento, quais cogumelos, de alguns pseudo-intelectuais do mundo da bola, que discursam sobre o que não sabem, ganham a vida a denegrir uma actividade para a qual nunca contribuíram positivamente e, assim, vão ajudando a afundar a já tão pouca credibilidade desta modalidade.

5. É mesmo verdade que é mais fácil apitar jogos no estrangeiro do que em Portugal? Porquê?
Nem se pode comparar. Primeiro porque a estrutura directiva é muito mais forte e rigorosa. As sanções aos infractores são céleres, dissuasoras e eficazes. Em segundo lugar, as estruturas internacionais sabem que o “produto” futebol tem mercado mas só sobrevive se for “vendido” pela positiva, ou seja, valorizando o mérito e promovendo o espectáculo e os seus artistas. Já repararam que a Eurosport não tem nenhum programa à 6ª feira para discutir as arbitragens das jornadas europeias?

6. Que objectivos ainda tens por cumprir na tua carreira?
O meu principal objectivo é conseguir, enquanto estiver no activo, manter os meus níveis de rendimento físico, técnico e emocional. Se o conseguir, é certo que continuarei a ser chamado regularmente para as competições internacionais e, dessa forma, serei candidato a dirigir jogos de alto nível. Se pudesse apenas escolher uma “prenda”, já que estamos na época natalícia, escolheria uma final da Champions League. É um objectivo ambicioso, tenho consciência. Mas o sonho comanda a vida…

7. Quando eras mais novo tinhas algum árbitro de referência? E actualmente?
Eu nunca fui de grandes ídolos. Confesso que, enquanto jogador, sempre tive um fascínio especial pelo Chalana e pelo Ian Rush (Liverpool). Já enquanto árbitro, não me recordo de ter alguém que, individualmente, me suscitasse particular admiração. Sempre fui, e sou, de observar as características mais marcantes de cada um e procurar concatenar esses traços para a minha melhoria. Actualmente e talvez até pela proximidade e conhecimento pessoal, é-me ainda mais difícil escolher alguém. Prefiro pensar que tenho, entre os meus amigos, alguns dos melhores árbitros de mundo, o que é, de facto, um enorme privilégio.

8. Quais as melhores recordações que guardas da tua carreira até ao momento?
Felizmente, tenho muitos bons momentos. Dentro e fora do campo, a minha memória está cheia de belas passagens, as quais conseguem suplantar, em larga escala, os momentos mais infelizes por que passei nesta actividade. Gostaria de destacar apenas um momento, pelo seu simbolismo e por ser tão distante. Ainda jogador, comuniquei ao meu treinador que iria abandonar a carreira para me dedicar à arbitragem. Depois de muitas tentativas para me dissuadir e por ver que seria impossível, virou-se para mim e disse: “Com essa força que tens e com o teu carácter, tenho a certeza que te vou ver arbitrar num Mundial.” Sempre que nos encontrávamos, principalmente depois de algum momento menos positivo da minha carreira, ele teimava em reafirmar a sua profecia. 20 anos depois, eu cheguei lá e ele, felizmente, estava (e está) vivo para o testemunhar. Quando me encontrou, demos um abraço forte e sentido e deixamos correr uma lágrima no canto do olho. Se há coisas boas no futebol, e há muitas, esta foi, para mim, uma das melhores. Deixo aqui a minha homenagem a um grande senhor do futebol, Orlando Rousseau, o meu treinador no CRC 22 de Junho – Amor.

9. Qual o principal conselho que darias a um jovem árbitro para que este consiga ter sucesso na arbitragem?
Construam o sonho, alimentem-no todos os dias, armazenem os momentos de sucesso num baú bem hermético e abram-no apenas para ir buscar reservas quando forem atacados e tentarem destroçar a vossa auto-estima. Desconfiem das falsas amizades e promessas de carreira, substituindo-as por trabalho sério e árduo. Só os fortes sobrevivem nesta “selva” da vida. Finalmente e como um dia alguém me ensinou, tenham SORTE. A sorte é a soma da oportunidade com a competência…

10. Que questão nunca te colocaram mas à qual gostarias de responder?Se tivesses poder para sancionar, disciplinarmente, todos os que dizem mal do futebol e da arbitragem, qual a pena que aplicarias?
A todo e qualquer indivíduo que ousa falar e criticar os árbitros e a arbitragem, a pena que aplicaria seria a de obriga-lo a arbitrar, pelo menos, 5 jogos. Tenho a certeza que, desta forma, a maior parte deles nunca mais falaria do que não sabe e mostraria que, tal como dizem os espanhóis, “falar de touros não é o mesmo que estar na arena”.

RefereeTip agredece ao colega Olegário Benquerença a disponibilidade em participar nesta rúbrica "10 Questões a..."

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