Opinião - Pedro Henriques: A bola e as mãos

Pedro Henriques
Ex-árbitro e actual comentador de arbitragem
Mais do que tecer considerações sobre os penáltis assinalados por mão na bola, no Belenenses-FC Porto, porque sobre isso já me pronunciei publicamente, inclusivamente no pós-jogo e em directo do Estádio Nacional, e dei como boa a decisão da equipa de arbitragem com a ajuda do videoárbitro para ambos os casos, importa acima de tudo é perceber que esta situação em especial, das mãos, contemplada na lei 12 (Faltas e Incorrecções) tem vindo ao longo dos anos a evoluir no seu conceito e na sua penalização, por parte do International Board. 

Passámos da situação clássica de um jogador que depois de o remate partir ia ao encontro da bola, a chamada mão na bola, para uma nova realidade, em que os jogadores, por antecipação e antes ainda do remate, abrem as mãos e os braços, colocando-os completamente fora do plano do corpo para intersectarem uma possível trajectória da bola. E é esta atitude deliberada e intencional por parte dos jogadores, que aumentam a volumetria e o espaço ocupado de forma indevida, que passou também a ser penalizada, uma vez que, com os meios televisivos e agora com o próprio videoárbitro, é possível detectar e posteriormente penalizar.

Mas para mim o importante mesmo é tentar passar para os adeptos em geral as premissas e pressupostos onde assentam os critérios que servem de base à análise do árbitro, para que cada um possa fazer o seu próprio julgamento e interpretação dos lances em questão. Seja um acto deliberado em que o jogador toma contacto com a bola com as mãos, ou com os braços, considerando-se o movimento da mão na direcção da bola e a distância entre a bola e o adversário (quando muito curta ou perto é uma atenuante); seja uma bola inesperada, que tem ainda como atenuante para a não punição o facto de o jogador ter o braço ao longo do corpo ou numa posição normal e natural.

Um factor agravante surge quando o jogador infractor ocupa um espaço e volumetria fora do plano do corpo, com os braços em posição não natural e normal, e se torna “o corpo maior”, algo que a FIFA designou como “make the body bigger”, prolongando assim o braço como uma extensão do corpo para interceptar a trajectória da bola. Ou se, após o remate, é a mão que vai na direcção da bola interceptando a sua trajectória, ou se já colocou o braço por antecipação numa possível trajectória da bola, acabando posteriormente por lhe tocar.

De realçar ainda que se considera, em termos corporais, para efeitos de análise e punição, a mão, o antebraço e o braço, sendo que o ombro, a omoplata e o peito são as regiões adjacentes que podem tocar, controlar ou jogar a bola.

Por tudo isto, percebemos que são vários os critérios que condicionam a interpretação do árbitro, que, com a dinâmica do jogo, numa fracção de segundo e em tempo real, tem de tomar uma decisão. Contudo, e porque temos o videoárbitro, esta análise pode agora ser feita com maior probabilidade de acerto, repondo aquilo que normalmente designamos de verdade desportiva.

É óbvio que o foco foi direccionado para o Belenenses-FC Porto, pois envolveu uma das equipas "grandes", mas houve nesta jornada outros casos de mãos na bola que, com a ajuda do videoárbitro, também foram punidas, tendo todos estes lances uma raiz comum: a volumetria e os braços fora do plano do corpo. E a tal uniformização de critérios que tanto se pede aos árbitros acabou por existir em diversos relvados.

Notas finais para alguma confusão por parte de certos comentadores, não especialistas em arbitragem, que tendo estado nas acções de formação do Conselho de Arbitragem (CA) interpretaram mal o que foi dito em relação à não punição leviana de penáltis na área. O CA referiu-se a esses casos especificamente em relação aos contactos e toques entre jogadores, ou seja, às cargas, aos empurrões, ao agarrar, defendendo que para essas acções haja punição avaliando se houve uma consequência, ou seja, se o jogador caiu, perdeu a bola, não conseguiu disputá-la, etc. O caso das mãos, em conjunto com os tackles, tem um tratamento especial, pois são duas infracções que, quer técnica quer disciplinarmente, têm um conjunto de critérios de análise próprios.

O importante mesmo é que este caso ocorrido no Jamor faça jurisprudência para o resto da época e que os critérios sejam uniformes na sua avaliação e, sobretudo, punição. Gostava ainda que o CA tivesse uma máquina de informação que trabalhasse bem as situações que vão ocorrendo e que periodicamente pudesse, através dos seus técnicos em arbitragem, vir a público explicar e esclarecer. Os adeptos em geral e o futebol em particular ficavam muito gratos.

Autor: Pedro Henriques (ex-árbitro, actual comentador de arbitragem)
Fonte: Público

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