Entrevista - Olegário Benquerença



Olegário Benquerença foi o primeiro árbitro português a dirigir três jogos na mesma edição de um Campeonato do Mundo. Feliz com a prestação que a equipa de arbitragem que liderou – e da qual fizeram, também, parte Bertino Miranda e José Cardinal – teve na África do Sul, o juiz leiriense revelou, em entrevista ao fpf.pt, que concretizou um sonho e assume que quer repetir a experiência.

fpf.pt: Que balanço faz da sua participação no Campeonato do Mundo, na África do Sul?
Olegário Benquerença: O balanço é, como já tive oportunidade de afirmar algumas vezes, extremamente positivo. Na verdade e tal como havíamos dito antes da partida, o nosso objectivo era fazer dois jogos, ou seja, ter uma participação dentro dos parâmetros normais numa competição deste nível. Era o nosso primeiro Mundial e não nos parecia ser muito fácil passar este objectivo. Ao fazermos três jogos, sendo um deles nos quartos-de-final, penso que termos todas as razões para estar orgulhosos da prestação que tivemos e da imagem que deixámos da arbitragem portuguesa.
 
fpf.pt: E em termos globais de arbitragem. O que lhe pareceu este Mundial?Olegário Benquerença: O balanço oficial foi já feito pelos responsáveis da FIFA, tendo sido considerado bastante positivo. Eu não deixo de concordar com essa análise, pois após 64 jogos de alta responsabilidade e com a pressão e mediatismo próprios duma competição deste nível, verifica-se que apenas dois ou três tiveram decisões infelizes com consequências nos resultados finais dos encontros. Tal como as equipas não conseguem taxas de sucesso a rondar os cem por cento, não é razoável exigir esse patamar aos árbitros. O importante para o sector da arbitragem é conseguir, no final da competição, que não se fale dos árbitros como factores perturbadores do nível do torneio.  Este Mundial permitiu ainda o aparecimento de alguns jovens árbitros oriundos de países menos cotados futebolisticamente e que mostraram uma evolução significativa do nível médio da arbitragem à escala mundial.
 
fpf.pt: Que recordações guarda desta experiência?Olegário Benquerença: Na minha memória perdurarão três ou quatro momentos de grande significado pessoal e desportivo. Sempre me disseram que, independentemente da experiência internacional que cada um de nós possa ter, arbitrar num Mundial é sempre uma sensação incomparável. Hoje posso testemunhá-lo e afirmar que toda a envolvência desta competição é diferente. O facto de ficar associado ao primeiro Campeonato disputado no continente africano e a cordialidade com que todo o povo africano nos recebeu, são também momentos de eternidade. Por último, jamais poderei esquecer as emoções vividas no meu último jogo, talvez o que mais paixão despertou naquele povo, pois tratava-se da possibilidade da última equipa africana seguir para as meias-finais. Após 120 minutos de alta tensão e um barulho infernal de vuvuzelas, terminar o jogo com uma decisão crucial e ficar na história do campeonato pela discussão moral que essa decisão trouxe, foram momentos indescritíveis.
 
fpf.pt: Qual o ambiente que encontrou entre a “família” (dirigentes e árbitros) da arbitragem mundial e de que forma foram encaradas as críticas a determinadas arbitragens? Olegário Benquerença: O ambiente é fantástico dentro da nossa equipa. Não podemos esquecer que este grupo trabalhou durante três anos em permanente contacto, quer em Seminários de preparação, quer ainda nas competições FIFA que existiram neste período. Foram dadas todas as condições técnicas, logísticas, mentais e físicas para que pudéssemos chegar a esta fase e render o máximo das nossas capacidades individuais. É impensável afirmar que seria possível passar pela competição e não ser alvo de críticas, tanto mais que, algumas vezes, as equipas tendem a desviar atenções para minimizar os seus insucessos, recorrendo à arbitragem como seu alvo preferencial. Também aqui nós mostramos a nossa força mental, a que não é alheio o facto de contarmos com técnicos especializados nesta área e que nos deram as ferramentas necessárias para ultrapassar esses momentos. O grupo viveu intensamente os resultados individuais de cada membro, partilhando alegrias e tristezas de uma forma bastante saudável.

fpf.pt: Ficou satisfeito com o reconhecimento, a nível nacional e não apenas desportivo, que a sua presença na África do Sul teve?Olegário Benquerença: Sim, claro. Quem está por dentro do sector sabe que não é normal, por exemplo, os responsáveis do poder político olharem para nós como embaixadores do país ou como atletas equiparados aos jogadores. O Senhor Secretário de Estado da Juventude e Desporto é um homem com um passado ligado ao Desporto e sabe a importância que tem neste contexto. Gostaria de referir que o seu apoio não foi circunstancial ou de oportunismo político pela nossa participação ter sido positiva. Muito antes deste momento, fomos merecedores de palavras de incentivo, algumas delas anteriores à própria decisão da FIFA sobre a nossa participação. Durante todo o campeonato, antes e após cada jogo, sempre teve uma palavra connosco e demonstrou um interesse sincero na nossa campanha. A arbitragem no geral e a minha equipa em particular, bem podem agradecer este apoio e esta promoção pública, pois servirá de exemplo para alguns detractores desta causa. Por último e porque é também da mais elementar justiça fazê-lo, quero agradecer o fax que nos foi remetido pelo Senhor Presidente da Republica, no qual também nos manifestou o seu apoio e confiança.

fpf.pt: Como foi o seu regresso a Portugal, depois do Mundial?
Olegário Benquerença: Gostaria de aproveitar a sua pergunta para mostrar, uma vez mais, como é diferente, para pior, a vida dos árbitros a este nível. Após o meu regresso, tive que me concentrar na minha actividade profissional, pois uma ausência de 40 dias provoca danos quase irreparáveis. As minhas férias foram apenas mentais, pois obriguei-me a desligar totalmente o futebol do meu pensamento, procurando repousar física e emocionalmente  de um desgaste de três anos, período que durou este processo de selecção e participação.
fpf.pt
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Depois de ter chegado a este patamar, que ambições tem para a sua carreira? Que novos desafios o poderiam aliciar?
Olegário Benquerença
: Essa é uma questão muito interessante. Estar num Mundial era, de facto, um objectivo e um sonho de vida. Ter conseguido materializar o sonho poderia levar-me a adormecer ou a ficar deslumbrado. Contudo, esta oportunidade apenas me trouxe mais responsabilidade e vontade de mostrar que a minha ida não foi um acaso. Quero continuar a trabalhar para repetir esta experiência, não esquecendo ainda as competições da UEFA, onde quero continuar a participar ao mais alto nível.
 
fpf.pt: Olhando para a época que se avizinha, que desejos tem para esta temporada?
Olegário Benquerença: O desejo de sempre. Continuar a merecer a confiança das instâncias nacionais e internacionais para ser nomeado para os jogos das competições a que estou ligado. O Mundial é já passado e do passado vivem os Museus. Quero continuar a trabalhar afincadamente para estar preparado e poder ser seleccionado para o Euro 2012 e Mundial de 2014, não esquecendo também as nossas competições internas. Gostaria ainda que a época que se avizinha fosse de pacificação da arbitragem, externa e internamente, desejando ainda que fosse, finalmente, resolvido o problema grave que afecta o sector e que poderá por em causa participações futuras de árbitros portugueses em Mundiais. Falo, naturalmente, da fiscalidade e regulamentação da actividade, grandes obstáculos no recrutamento de jovens para a arbitragem e que, a médio prazo, irão criar um vazio nos quadros nacionais.



Fonte: FPF

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