Pedro Proença é árbitro de futebol desde 1988-89. Ao longo da carreira, viu o sector passar por uma evolução “muito grande”, mas até aponta a necessidade de se ir mais além. Em entrevista ao PÚBLICO, mostra-se favorável à introdução de meios tecnológicos e defende a profissionalização, assim como uma reforma no processo de observação dos árbitros. Proença admite ainda que há situações menos claras na arbitragem em Portugal, mas sublinha a sua “independência total do futebol”.
Como decidiu que queria ser árbitro?
Fui praticante de andebol durante muitos anos, era o meu desporto favorito. Não era um fora-de-série, embora tivesse jogado no Benfica e no Sporting. Na transição para sénior, quando entrei na universidade, o Benfica ia-me emprestar ao Comércio e Indústria, de Setúbal. Os treinos acabavam tarde, com aulas no dia seguinte às 8h. Mas eu queria continuar com a prática desportiva, e nessa altura falei com um colega que tinha tirado o curso de árbitro. Tirei o curso, fiz dois ou três jogos e vi que conseguia conjugar o desporto com a universidade.
Então nunca jogou futebol?
Não, não. Embora goste muito de fazer a peladinha com os amigos no final do treino.
Qual é o estado da arbitragem em Portugal?
Houve uma evolução muito grande. O processo Apito Dourado marcou indelevelmente a geração anterior à minha e "queimou" uma franja grande de gente que estaria a aparecer agora como dirigente. Mas conseguimos reagir. Há uma nova geração de árbitros que está a aparecer e tenho a certeza que vai ter um futuro muito positivo.
O profissionalismo é um passo necessário?
É inevitável. Neste momento os árbitros são biprofissionais: são profissionais na sua actividade e tentam ser profissionais, não o sendo, na arbitragem. Isto é de todo inconcebível.
Estaria disposto a deixar o seu emprego como director financeiro para se dedicar profissionalmente à arbitragem?
Não abdicaria da carreira que tenho, onde felizmente sou uma pessoa de sucesso, porque o futebol não teria condições para me pagar o que eu ganho enquanto profissional. Mas o importante é perceber que esse passo é importante.
O presidente da Comissão de Arbitragem começou este ano a fazer um balanço regular das arbitragens. Como é que isso foi visto entre os árbitros?
A arbitragem deve abrir-se para o exterior, num aspecto explicativo. Pode discutir-se a forma como as coisas foram feitas. A arbitragem não tem de se justificar a ninguém, porque vamos para o campo sempre com o nosso melhor. A intenção foi muito boa, eventualmente a forma não foi a melhor. E o próprio presidente reconhece que as coisas não correram bem no início.
Antes da final da Taça da Liga falou à imprensa. Isso devia acontecer mais vezes?
Tudo aquilo que seja valor acrescentado para o futebol deve acontecer. Os árbitros estão disponíveis para este tipo de abordagem. Nós não somos super-homens, somos pessoas falíveis, temos os nossos defeitos e as nossas virtudes.
A observação dos árbitros é um procedimento transparente?
Transparente é. Mas está absolutamente obsoleto e ultrapassado. Aquilo que eu preconizava era uma reformulação completa dos quadros dos observadores, e a observação através do vídeo, conjugada com a de campo. É preciso aproximar a realidade das prestações dos árbitros às suas classificações. Se os dirigentes querem defender a verdade desportiva, é preciso investir neste sector.
Concorda com a introdução de meios tecnológicos no futebol?
Absolutamente. Estou a favor de tudo o que seja na defesa da verdade desportiva. Com as condições tecnológicas que existem noutros desportos, era adaptar o que já foi feito. O futebol iria ganhar em muito.
E que balanço faz das experiências com cinco árbitros?
Extremamente positivo. Não se querendo avançar com meios tecnológicos, esta é uma forma de conseguir analisar melhor, com mais gente. As pessoas por vezes não percebem a sua função, porque o árbitro de baliza utiliza o canal da comunicação interna da equipa. Portanto, não há movimentos, não há explicações. Mas há um trabalho invisível fundamental, de prevenção.
Revê os jogos que arbitra?
Sim.
Como lida com o erro, quando ele existe?
Com a noção clara da nossa limitação humana. Penalizo-me muito quando verifico que cometo um erro. Mas é o erro. Tento verificar por que é que ele acontece, e depois aceito que não posso fazer mais.
José Mourinho foi razoável nas críticas que fez à arbitragem na meia-final da Liga dos Campeões?
As pessoas sentem aquilo que sentem. Conheço bem o Zé e tenho-lhe um grande respeito. Já o arbitrei variadíssimas vezes. O futebol para ele ultrapassa o que acontece nas quatro linhas. Como é um profissional que procura sempre a perfeição, nada é feito ao acaso.
Gostaria de estar num Mundial ou num Europeu?
É óbvio que gostaria de ter essa experiência. Mas o importante não é se o Pedro [Proença] está, mas se a arbitragem portuguesa está. Para mostrar que os árbitros portugueses são tão competentes como os outros.
Porque não há personagens ligadas à arbitragem respeitadas pela história, para além do exemplo de Pierluigi Collina?
São lugares de muita erosão. Só os árbitros é que sabem o que é que, a seguir a um Benfica-FC Porto, eles e as famílias sofrem. É terrível. Falou do Collina, mas ele durante seis meses precisou de escolta policial para o filho ir para a escola.
Viveu situações complicadas?
Há várias situações que não são confortáveis. Ir a um centro comercial, ou estar num restaurante, e ser abordado por alguém a dizer: "Tu és filho deste ou filho daquele, estás vendido"... Costumo dizer que o árbitro vive sempre numa curva descendente. As pessoas ainda me reconhecem alguma competência, mas tenho a noção que mais uns anos a falhar e ninguém me vai poder ver.
É comum existirem pressões, telefonemas antes dos jogos?
Estou absolutamente à vontade, sou uma pessoa incorruptível. Nunca tive qualquer tipo de abordagem, nem valia a pena. Tenho independência total do futebol. Não preciso do futebol para nada. Antes pelo contrário. Tira-me muito dinheiro e o prazer de fazer outras coisas.
Mas esse tipo de situações existe no futebol português?
Como existe em tudo. Ninguém diga que não há jogadores que possam ser ou não ser aliciados, equipas, dirigentes, árbitros... O futebol é um sector social, onde essas coisas acontecem. Onde eventualmente existem pessoas mais susceptíveis a isso, com certeza que sim. Eu não os conheço, e repudio-os, obviamente.
Fui praticante de andebol durante muitos anos, era o meu desporto favorito. Não era um fora-de-série, embora tivesse jogado no Benfica e no Sporting. Na transição para sénior, quando entrei na universidade, o Benfica ia-me emprestar ao Comércio e Indústria, de Setúbal. Os treinos acabavam tarde, com aulas no dia seguinte às 8h. Mas eu queria continuar com a prática desportiva, e nessa altura falei com um colega que tinha tirado o curso de árbitro. Tirei o curso, fiz dois ou três jogos e vi que conseguia conjugar o desporto com a universidade.
Então nunca jogou futebol?
Não, não. Embora goste muito de fazer a peladinha com os amigos no final do treino.
Qual é o estado da arbitragem em Portugal?
Houve uma evolução muito grande. O processo Apito Dourado marcou indelevelmente a geração anterior à minha e "queimou" uma franja grande de gente que estaria a aparecer agora como dirigente. Mas conseguimos reagir. Há uma nova geração de árbitros que está a aparecer e tenho a certeza que vai ter um futuro muito positivo.
O profissionalismo é um passo necessário?
É inevitável. Neste momento os árbitros são biprofissionais: são profissionais na sua actividade e tentam ser profissionais, não o sendo, na arbitragem. Isto é de todo inconcebível.
Estaria disposto a deixar o seu emprego como director financeiro para se dedicar profissionalmente à arbitragem?
Não abdicaria da carreira que tenho, onde felizmente sou uma pessoa de sucesso, porque o futebol não teria condições para me pagar o que eu ganho enquanto profissional. Mas o importante é perceber que esse passo é importante.
O presidente da Comissão de Arbitragem começou este ano a fazer um balanço regular das arbitragens. Como é que isso foi visto entre os árbitros?
A arbitragem deve abrir-se para o exterior, num aspecto explicativo. Pode discutir-se a forma como as coisas foram feitas. A arbitragem não tem de se justificar a ninguém, porque vamos para o campo sempre com o nosso melhor. A intenção foi muito boa, eventualmente a forma não foi a melhor. E o próprio presidente reconhece que as coisas não correram bem no início.
Antes da final da Taça da Liga falou à imprensa. Isso devia acontecer mais vezes?
Tudo aquilo que seja valor acrescentado para o futebol deve acontecer. Os árbitros estão disponíveis para este tipo de abordagem. Nós não somos super-homens, somos pessoas falíveis, temos os nossos defeitos e as nossas virtudes.
A observação dos árbitros é um procedimento transparente?
Transparente é. Mas está absolutamente obsoleto e ultrapassado. Aquilo que eu preconizava era uma reformulação completa dos quadros dos observadores, e a observação através do vídeo, conjugada com a de campo. É preciso aproximar a realidade das prestações dos árbitros às suas classificações. Se os dirigentes querem defender a verdade desportiva, é preciso investir neste sector.
Concorda com a introdução de meios tecnológicos no futebol?
Absolutamente. Estou a favor de tudo o que seja na defesa da verdade desportiva. Com as condições tecnológicas que existem noutros desportos, era adaptar o que já foi feito. O futebol iria ganhar em muito.
E que balanço faz das experiências com cinco árbitros?
Extremamente positivo. Não se querendo avançar com meios tecnológicos, esta é uma forma de conseguir analisar melhor, com mais gente. As pessoas por vezes não percebem a sua função, porque o árbitro de baliza utiliza o canal da comunicação interna da equipa. Portanto, não há movimentos, não há explicações. Mas há um trabalho invisível fundamental, de prevenção.
Revê os jogos que arbitra?
Sim.
Como lida com o erro, quando ele existe?
Com a noção clara da nossa limitação humana. Penalizo-me muito quando verifico que cometo um erro. Mas é o erro. Tento verificar por que é que ele acontece, e depois aceito que não posso fazer mais.
José Mourinho foi razoável nas críticas que fez à arbitragem na meia-final da Liga dos Campeões?
As pessoas sentem aquilo que sentem. Conheço bem o Zé e tenho-lhe um grande respeito. Já o arbitrei variadíssimas vezes. O futebol para ele ultrapassa o que acontece nas quatro linhas. Como é um profissional que procura sempre a perfeição, nada é feito ao acaso.
Gostaria de estar num Mundial ou num Europeu?
É óbvio que gostaria de ter essa experiência. Mas o importante não é se o Pedro [Proença] está, mas se a arbitragem portuguesa está. Para mostrar que os árbitros portugueses são tão competentes como os outros.
Porque não há personagens ligadas à arbitragem respeitadas pela história, para além do exemplo de Pierluigi Collina?
São lugares de muita erosão. Só os árbitros é que sabem o que é que, a seguir a um Benfica-FC Porto, eles e as famílias sofrem. É terrível. Falou do Collina, mas ele durante seis meses precisou de escolta policial para o filho ir para a escola.
Viveu situações complicadas?
Há várias situações que não são confortáveis. Ir a um centro comercial, ou estar num restaurante, e ser abordado por alguém a dizer: "Tu és filho deste ou filho daquele, estás vendido"... Costumo dizer que o árbitro vive sempre numa curva descendente. As pessoas ainda me reconhecem alguma competência, mas tenho a noção que mais uns anos a falhar e ninguém me vai poder ver.
É comum existirem pressões, telefonemas antes dos jogos?
Estou absolutamente à vontade, sou uma pessoa incorruptível. Nunca tive qualquer tipo de abordagem, nem valia a pena. Tenho independência total do futebol. Não preciso do futebol para nada. Antes pelo contrário. Tira-me muito dinheiro e o prazer de fazer outras coisas.
Mas esse tipo de situações existe no futebol português?
Como existe em tudo. Ninguém diga que não há jogadores que possam ser ou não ser aliciados, equipas, dirigentes, árbitros... O futebol é um sector social, onde essas coisas acontecem. Onde eventualmente existem pessoas mais susceptíveis a isso, com certeza que sim. Eu não os conheço, e repudio-os, obviamente.
Fonte: Público
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