Entrevista: Duarte Gomes - "Sou adepto do Benfica"

Primeira parte

Duarte Gomes, um dos árbitros portugueses mais conceituados e quinto classificado na temporada passada, deu uma entrevista ao Relvado na qual respondeu a todas as questões. Revelou que é adepto do Benfica e também explicou algumas das suas polémicas decisões na temporada passada. Não duvida do seu acerto quando expulsou o sportinguista João Pereira no jogo com o Portimonense e reconhece que errou quando não tomou a mesma decisão em relação a Belluschi, médio do FC Porto que lhe deu uma "peitada" em partida com o Sporting de Braga.

Relvado - Os árbitros raramente assumem o seu clube. Podemos saber qual é o seu?
Duarte Gomes - Sim, sem problema nenhum. Comecei a arbitrar com 18 anos e não tenho culpa nenhuma de nessa idade já ser um ser humano e ter as minhas opções bem definidas a nível pessoal, profissional e desportivo. Sou adepto do Benfica. Sempre fui... Nunca o neguei sempre que me foi solicitado o preenchimento de questionários relacionados com arbitragem. Mas suspendi as minhas quotas de sócio do Benfica a partir do momento em que passei a ser árbitro.
Enquanto adepto sou benfiquista, mas como árbitro sou só árbitro. O Presidente da República é o presidente de todos os portugueses, mas é do PSD... O Luís Filipe Vieira é um bom presidente do Benfica e foi um excelente presidente do Alverca. O Simão Sabrosa jogou no Benfica de corpo e alma e fez toda a sua formação no Sporting. Ou seja, o profissionalismo das pessoas não pode colocar em causa as suas opções pessoais. Mas há muitas pessoas que o árbitro, por ser de determinado clube, o vai beneficiar, ou pior ainda, o vai prejudicar para mostrar que é sério.
Já fiz jogos do Benfica que o clube ganhou, empatou e perdeu. Já tive erros a favor e contra claríssimos, isso faz parte do futebol. Quem não deve não teme!
R- Na época passada, expulsou João Pereira, jogador do Sporting, depois deste o ter insultado, como de resto é bem visível nas imagens televisivas. Mas não fez o mesmo quando Belluschi, jogador do FC Porto, lhe deu uma "peitada" num encontro com o Sporting de Braga. Quer explicar porque tomou duas decisões diferentes?
DG - Em cada momento, o árbitro toma a decisão que entende que tem de tomar, que é apropriada. Numa das situações, foi muito clara qual foi a linguagem usada. E felizmente que as imagens televisivas o confirmam, senão era acusado se ser persecutório. A televisão às vezes também ajuda os árbitros, sabe? Tenho de definir a linha entre o que é um desabafo e a frustração do jogo e o que é injúria direta, ofensiva e ordinária, o que aconteceu nesse caso. Quem se sinta incomodado com essa decisão, lamento. Mas se voltar a acontecer uma situação do género com qualquer outro atleta, tomarei medida igual.
Em relação ao Belluschi, reparei na televisão que fiz uma má gestão da situação. É um caso claro de um erro... Mas no campo, a minha perspetiva é diferente. Na altura, vou preparar-me para advertir um jogador, que não o Belluschi, este coloca-se no meu caminho e tenho a certeza que fui eu que provoquei o primeiro contacto. E ao fazê-lo, recebo um contacto do jogador. O que eu penso é: 'aguenta-te que tu é que foste à pancada'. Mas reconheço que a imagem que aparece na televisão é diferente e que fiz uma análise errada. 
R - Há duas épocas, empurrou Ricardo Peres, treinador de guarda-redes do Sporting, quando esta orientava os exercícios de aquecimento de Rui Patrício, antes de um jogo. O que se passou? Já voltou a cruzar-se com ele?
DG - Foi um momento de alguma intensidade emocional das duas partes, num contexto em que o Sporting criava uma pressão enorme para cada érbitro que ia a Alvalade. Felizmente já não o faz... Essa pressão era criada por dirigentes, técnicos e adeptos. Havia ali a ideia que o Sporting era perseguido pelos árbitros e isso era muito alimentado pelos media.
Houve um conjunto de coisas que foram ditas no momento do aquecimento dos árbitros que não caíram bem e foi o que se viu... Hoje em dia não faria nada daquilo. Mas sabe que os árbitros, tal como os jogadores e os treinadores, também são homens e não estão livres de expressar as suas emoções, embora tenham de saber geri-las. Neste caso, não soube gerir as minhas emoções, mas está ultrapassado.

Segunda parte

Na segunda parte da sua entrevista ao Relvado, Duarte Gomes aborda o quinto lugar na classificação dos árbitros portugueses, reconhecendo que o primeiro foi muito bem empregue a Pedro Proença. Defende a profissionalização no setor e confessa não ter paciência para os programas futebolísticos de debate na televisão, onde se passam horas a analisar a atuação dos juizes.

R - Acha que o quinto lugar que obteve na época passada foi justo?
Duarte Gomes - As classificações refletem sempre de uma forma mais ou menos objetiva o que é o nosso trabalho, de acordo com os observadores e de outros fatores de menor importância, como os testes físicos e escritos. Aceito a classificação e honestamente acho que foi justa. Não tive uma temporada isenta de erros e dificilmente o pode ser. Alguns desses erros tiveram maior impacto mediático... A entrega e a dedicação é sempre a mesma, tal como a concentração, mas muitas vezes há jogos que não nos correm bem, tal como acontece com os jogadores.
R - Concorda com o primeiro lugar de Pedro Proença?
DG- Foi um excelente vencedor, sem dúvida que mereceu este prémio. A mim, resta-me trabalhar para na próxima época fazer mais e melhor.
R - É difícil ser-se árbitro em Portugal?
DG - Não mais do que em outros países latinos, que têm uma cultura desportiva muito apaixonada. Mas por exemplo, o futebol turco e o futebol grego são muito mais agressivos que o português. Somos um país com as suas características e que tem o seu escape no futebol, com as pessoas a desabafarem e a expressarem as suas emoções. Mas isso é desafiante e não difícil.
R -Como analisa alguns programas da televisão portuguesa em que se passam horas e horas a analisar os casos de arbitragem da jornada?
DG - Deixei de ver esses programas, porque percebi que tinha coisas mais importantes para fazer. A arbitragem tem erros e não podemos tapar o sol com a peneira. Mas são erros tão ou mais importantes como o que os jogadores, treinadores e presidentes cometem. Só que na arbitragem põe-se logo a tónica no erro deliberado. E como isso me incomoda, mudo de canal, onde sei que ninguém se está a desculpar com a arbitragem. Mas é um pouco o reflexo da nossa cultura desportiva.
R- Voltando à classificação dos árbitros, como explicar que Olegário Benquerença seja nomeado para apitar uma meia-final da Liga dos Campeões e em Portugal seja...19º classificado?
DG - Bom, é complicado para mim falar da classificação dos colegas, até porque ela é feita com base em muitas variáveis. O Olegário Benquerença tem provas dadas a nível internacional, é um dos árbitros que mais merece a confiança da FIFA e da UEFA, o que atesta da sua qualidade e da sua competência, pois os critérios desses organismos são muito apertados e rigorosos. Se eventualmente as coisas não correram como ele queria, de certeza que na próxima época as coisas vão melhorar. Apesar de tudo, a classificação é apenas um "ranking" de estados de forma sucessivos. Não põem em causa a qualidade de um árbitro.
R - O público não percebe algumas notas que são atribuídas aos árbitros, tendo em conta a prestação que foi visível. Concorda com os critérios usados pelos observadores?
DG - Eu percebo essa dificuldade, por isso é importante fazer alguns esclarecimentos... Em cada jogo, nós temos notas de 1 a 5. De 4 para 5, são muito raras, são patamares de excelência, tendo em conta a dificuldade do jogo. O 2,8 ou 2,9, que podem ser classificadas como satisfatórias, são notas terríveis para os árbitros. O 3,1 ou 3,2, sendo positivas, são igualmente muito penalizadoras. As notas médias são apenas de 3,4, 3,5 para cima. Quem tiver para baixo, está já em prejuízo em relação aos colegas.
R - É a favor da profissionalização dos árbitros?
DG - Sim, sem dúvida. É o caminho inevitável e essa é uma ideia comum a todos nós. Não podemos ser os únicos amadores numa estrutura profissional. Por sucessivas mudanças de governo ou questões de índole financeira - que também não são o cerne da questão - a profissionalização não tem avançado. Não existe grande vontade de quem dirige em montar esse projeto, o que é pena. Não é o dinheiro que move os árbitros, mas apenas ter mais tempo para treinar e menos para aborrecimentos de outra ordem, nomeadamente gestão de horários com o nosso outro emprego. Ou treinar a seguir ao trabalho quando este tiver sido muito desgastante. Ou falhar um treino por causa de uma reunião...Ou a ir a correr para um jogo...
Para se ter uma ideia, apitei um Boavista-Aves que acabou por dar o título ao Boavista, em 2000/01, depois de sair do trabalho às seis da tarde. Fui a "voar" até ao Porto! Não faz sentido o futebol profissional ter um árbitro com esta responsabilidade que seja amador. E não confundam este nosso desejo com o facto de querermos ganhar mais dinheiro.
R - Quanto ganha um árbitro na Liga portuguesa atualmente e quanto passará a ganhar quando a profissionalização avançar?
DG - Em valores brutos, ganhamos 1100 euros. Mas as despesas como almoços e jantares são por conta dos árbitros. Se tirarmos o IRS e mais 100 euros de refeições e outras despesas, o valor líquido andará em torno dos 600 ou 700 euros. Quando a profissionalização avançar? Ainda não há valores discutidos. O que temos em cima da mesa são projetos, apenas. O dinheiro nunca foi uma questão relevante.
R - Qual é a sua profissão? É muito difícil geri-la com a carreira de árbitro?
DG - Tirei o curso de Direito, mas sou bancário. É complicado... Tive de chegar a um acordo com a minha entidade patronal para ter um horário mais reduzido. E hoje em dia há jogos do campeonato à segunda, à sexta... E das competições europeias à terça, quarta, quinta... Houve uma gestão que tive de fazer, com grande sacrifício pessoal. Mas autoprofissionalizei-me, de modo a ter mais tempo para dedicar à arbitragem. A estrutura não fez, tive de ser eu próprio, com o sacrifício daí inerente.

Fonte: http://relvado.aeiou.pt


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