Luís Guilherme: «Profissionalismo à custa dos árbitros, não»


DEBATE RECORD/ANTENA 1

RECORD – Há pontos em comum entre os dois programas, nomeadamente a profissionalização Mas que passos defendem para lá chegarmos?
LUÍS GUILHERME – Como se sabe, há um grupo de trabalho na área do governo que está a estudar essa possibilidade. Também é conhecida a posição da Liga que defende que enquanto não houver qualquer definição não implementará o profissionalismo. O que pensamos é que devemos tratar a arbitragem de forma realista e no contexto do país e não de forma populista. É muito fácil dizer que vamos ter árbitros profissionais. O problema é que apesar de haver muita a gente a dizer isso, ninguém conseguiu implementar o profissionalismo. Nós não defendemos o profissionalismo feito à custa dos árbitros. Dou muito este exemplo: gostaria de ter um carro topo de gama mas ando com um Opel porque não tenho dinheiro para mais.
R – E que plano tem?
LG – É um plano faseado. Esta discussão tem de ser feita de forma permanente e em diálogo com todos os elementos da arbitragem. O atual sistema está esgotado e por isso temos de partir para outro patamar, mas tem de ser um patamar que tenha proteção e enquadramento legal no aspeto laboral e social. Os árbitros deverão ter um estatuto idêntico ao que a UEFA e FIFA exigem – ou seja, ter total disponibilidade para a arbitragem mas poder exercer outras atividades – de modo a que daqui por uns anos possam ser profissionais. Só que não interessa ter árbitros profissionais se não tivermos uma estrutura profissional. E pergunto: haverá centros profissionais, que não existem em parte alguma do mundo. E os avaliadores? Trata-se para nós de uma matéria em aberto mas que deverá evoluir por patamares. Só que a arbitragem não fica por aqui. Os árbitros nascem no âmbito distrital, onde não existem quaisquer condições.
R – Não existem condições e há cada vez menos árbitros. O que se propõe fazer?
LG – Investir fortemente na captação e formação de árbitros na sua base. Em cada ano que passa há menos árbitros e mais jogos sem árbitros. É preciso saber isto, porque enquanto estamos entretidos com o profissionalismo não discutimos isto.
R – E qual é o plano de Vítor Pereira?
VÍTOR PEREIRA – A primeira vez que falei na profissionalização da arbitragem foi em 1990. Na altura seria dos poucos peregrinos a falar do assunto e tive toda a gente contra mim. Por isso, essa história do populismo está mal sustentada. O que sentia é que qualquer pessoa com responsabilidades profissionais numa área teria dificuldade em compatibilizá-la com uma arbitragem de alto nível. E se era óbvio na altura, agora ainda é mais. Eu até posso responder a algumas dúvidas que o Luis Guilherme tem. A profissionalização passará por um enquadramento legal – aliás já foi entregue ao governo o relatório do grupo de trabalho que estava incumbido para abordar o tema e que respondeu afirmativamente à questão: arbitragem profissional sim ou não – haverá uma estrutura dirigente para esse sector, um staff de apoio com preparadores físicos, instrutores, psicólogos, nutricionistas e um quadro de árbitros e árbitros assistentes que corresponda às exigências da competição profissional.
R – Isso por alto pode custar quanto?
VP – O nosso orçamento na época passada foi de 3 milhões e 850 mil euros. Entre 4 a 4,5 milhões teremos arbitragem profissional. Ou seja, não é por questões financeiras que a profissionalização não avança. Mas gostava de deixar outra nota: os árbitros profissionais não ganharão o salário mínimo nacional. Aliás, os amadores hoje também já não ganham isso. Vamos lá ter cuidado com o discurso do coitadinho. O que é importante garantir é condições que permitam o enquadramento legal. Aí, estamos de acordo. O profissionalismo não é um fim em si mesmo. O objetivo é melhorar a arbitragem, qualificá-la e torná-la competitiva em termos internacionais. Todos os árbitros que andam na Liga Europa e na Liga dos Campeões já são profissionais nos seus países e a esmagadora maioria já é em regime de exclusividade. Portugal está no top 10 do mundo e tem uma responsabilidade, mesmo sob o ponto de vista sociológico.
LG – A arbitragem esta época tinha um orçamento de 9 milhões de euros.
VP – A arbitragem nacional, no seu todo.
LG – Exatamente, sendo que 3,6 foram para o futebol profissional, ou seja, para 150 elementos e 5,4 para o futebol não profissional, isto é, quase para mil elementos. É disto que estamos a falar. O Vítor avançou agora com 4 milhões para mais de 150 pessoas, porque o staff vai aumentar.
VP – O staff vai diminuir. O staff dos árbitros, dos assistentes e do apoio.
LG – Nós entendemos o profissionalismo equiparando a uma equipa de futebol. Que tenha agregada a si um staff idêntico ao de uma equipa de futebol
VP – É isso que está pensado.
LG [num aparte] Eu não interrompi ninguém. Portanto, estamos a falar de 4 milhões destinados a um quarto da arbitragem. Mas temos que olhar para a arbitragem de forma integrada. É que os árbitros não nascem profissionais. E a este ritmo estamos a correr sérios riscos da base de recrutamento ser cada vez menor e a qualidade ser posta em causa.
– E como se vai combater isso?
LG – A futura direção da FPF e do CA têm de decidir que se for necessário fazer cortes na pirâmide eles têm de ser feitos no topo, devendo-se investir fortemente na base. A divergência em relação à outra lista é que nós olhamos globalmente para a arbitragem e fundamentalmente para a base da pirâmide.
R – Mas não acha que quanto melhor for a imagem que um árbitro do topo da pirâmide proporcionar, mais jovens lhe podem reconhecer méritos e procurar segui-lo?
LG – Estamos totalmente de acordo, mas o facto de sermos a 5.ª ou 6.ª potência a nível mundial, não tem trazido mais jovens para a arbitragem. Trata-se de uma falsa questão. É claro que é muito bom termos uma arbitragem de excelência, mas isso não se tem refletido na base que está completamente estagnada. Até agora, não houve retorno porque o discurso sobre a arbitragem portuguesa só tem sido dedicado ao topo.
R – Tem dito recorrentemente que a melhoria da arbitragem se deve aos árbitros. Não reconhece mérito a Vítor Pereira?
LG – Reconheço ao Vítor Pereira como reconheço a todos os dirigentes que passaram pela Liga e alguns na FPF. O que eu digo é que ninguém faz nada sozinho. Mas a arbitragem tem história, não existe apenas há 5 anos. Teve um período menos bom, que o Vítor referiu, que eu tive de atravessar, mas também é bom que se diga que incidiu sobretudo na arbitragem do futebol não profissional.
Sim às novas tecnologias
R – Novas tecnologias: inimigo ou potencial aliado?
VP – Potencial aliado.
LG – Em relação às tecnologias, somos favoráveis a tudo o que possa melhorar o jogo sem o descaracterizar. Mas onde elas devem ser aplicadas é na formação de árbitros, embora estejamos abertos

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