O GOSTAR e "Sofrer" pela Arbitragem

O Autor do texto abaixo é o António Taia e partilhou com o RefereeTip aquilo que é o gostar e "sofrer" pela arbitragem.

Tomar, 26 e 27 de Maio de 2012 – Curso Promoção Observadores à 2ª Categoria
Fim-de-semana de emoções! Cerca de 20 observadores dos mais variados pontos do país juntaram-se em Tomar no magnífico espaço que é o Hotel dos Templários, para terminar o ciclo anual de classificação.
Estiveram os melhores classificados nas suas associações, em alguns casos os únicos observadores dessa associação. Em alguns casos pessoas que pagam do seu bolso para serem observadores, aliás a sua grande maioria…mas preparados para encarar uma avaliação profissional.
Chegados ao hotel teste vídeo para fazer o relatório do árbitro. Experiência nova para muitos observadores que nas suas associações não tinham ainda testado este método, mas sem dúvida um método correto, porque é um teste real à capacidade de observar ao vivo e a cores e em tempo real, por vezes com hipótese de recorrer a uma repetição.
Vídeo da 1ª parte do Viktoria Plezen – Barcelona Liga dos Campeões, o jogo começa a todo o gás, a tensão aumenta e a incerteza da prova também.
12 Minutos de jogo Fabregas recebe a bola de costas para a linha de baliza, na zona cinzenta da área de grande penalidade, vira-se para a baliza e um prepara-se para cruzar, o defesa do Plezen, em tacle entra para evitar o cruzamento, a perna esticada à frente não parece tocar no avançado do Barcelona, mas a perna encolhida de trás parece dar um ligeiro toque, negligência do defesa.
Tiro a nota para o papel – “grande penalidade por assinalar”… 2, 3 minutos mais tarde revejo mentalmente o lance e ponho em dúvida a negligência, acrescento à nota para rever no final, “ou simulação – (benefício da dúvida) ”
Pouco tempo depois, Messi, na área recebe a bola na área de grande penalidade, recebe a bola, finta um defesa, prepara o remate, é rasteirado de forma clara… o árbitro hesita, mas assinala grande penalidade, e exibe cartão vermelho, novo problema para resolver – vermelho bem exibido, amarelo só bastava. A repetição rápida e a tensão acumulada não ajudam a decisão dos candidatos.
Grande penalidade marcada, com invasão da área por parte de jogadores de ambas as equipas, novo problema, mencionar, não mencionar. Os observadores tomam notas. O dilema invade os espíritos presentes.
A 1ª parte chega ao fim com mais algumas incidências, e a cabeça dos observadores é um turbilhão.
45 m sem pausa para rever as notas e fazer o relatório, são 10 capítulos que concatenam a informação do observador na 1ª parte. O que mencionar o que relevar?
Decido dar o benefício da dúvida no lance da grande penalidade não assinalada. Erro fatal! (a grande penalidade existiu como constatei posteriormente com mais calma a ver e rever o lance em casa), falha grave, amarelo por mostrar, critério técnico por afetar. Muitos pontos perdidos. Senti durante o teste falta de presença de espírito essencial, e logo após o final a clara certeza que não tinha corrido como era suposto, apesar de conseguir elaborar um relatório completo no tempo recorde de 45m.
Os candidatos saem da sala com semblante carregado, percebe-se que as suas mentes não estão tranquilas. A tensão e a incerteza começam a tomar conta dos espíritos de alguns…perfeitamente normal.
Jantar…estão todos intranquilos…
Sinto-me cansado …há um mês a estudar … tento adormecer, impossível …passam as 23, as 00, a 01 as 02 as 03 e nada. Saio da cama sento-me na cadeira do quarto e adormeço. 3 horas de sono e vamos para mais dois testes…psicotécnico e escrito, tenho a perfeita consciência que parto em desvantagem pelo dia anterior. Mas não desisto vou ter que dar o meu melhor em mais um dia.
Psicotécnicos - três testes distintos, em contra relógio, sinto-me tranquilo, faço com calma e descontraído.
Teste escrito, sinto-me preparado mas receio que a falta de descanso dos últimos dias possa ter efeito negativo. Esqueço isso e concentro-me …”estou bem preparado e vou dar o que tenho”, pensei. O teste corre bem ao fim de 45 m o teste está feito, faço revisão com calma em 15 m.
Parte da manhã…feito!
Almoço e depois resultados finais afixados. É preciso 75 pontos no mínimo em cada um dos testes. Tenho perfeita consciência que o fator decisivo será o relatório vídeo, mas curiosamente encaro-o com todo o fair-play do mundo, o que vier virá.
Almoço descansado, o que está feito está feito.
14:30 Resultados afixados! 30 Pessoas a olhar para um papel afixado numa porta. Procuro o meu nome…encontro…sigo a linha… António Taia – Escrito 88 pontos APTO psicotécnico 16,80 em 20 possíveis APTO, teste vídeo 71 pontos …INAPTO, faltam 4 pontos para que o objetivo que ali me levou fosse cumprido. Penso “OK tudo bem! deste o melhor”. Olho em redor vejo alegria e tristeza, lágrimas de contentamento e choro contido de desilusão.
Dá-se os parabéns aos primeiros, confortam-se os segundos, ainda sem grande noção do que está a acontecer.
O dirigente do C.A que nos acompanhou sempre no fim-de-semana, naquele momento parece mais desiludido do que eu, penso …”ainda não estou em mim!” …Telefones a tocar …vozes confusas…abraços…consolos.
Viagem para casa …sms que nos questionam. Resposta simples e seca “não consegui o objetivo”. Em alguns casos não recebo sms de volta, os amigos que questionam estavam à espera de melhores novidades e talvez receiem enviar novo sms…começo a sentir que poderei ter defraudado algumas expetativas…mas é curioso não me sinto defraudado…sinto naquele momento que cresci com mais uma aprendizagem. Sou assim.
Chego a casa, a minha companheira recebe-me com um olhar triste, foi a 1ª a saber. Está triste por mim … percebeu o esforço feito e não recompensado. Agora sim, começa aquele aperto no peito…pelas horas que não passamos com a família, as horas que os privamos da nossa companhia “ Não valeu de nada! diz-me a Élia”. Ouço e não respondo, interiorizo, apenas.
Digo-lhe que prefiro não falar mais nisso.
Dia seguinte…mais difícil…sms; emails mensagens de apoio, dizem-me que faço falta à arbitragem, que não posso desistir.
Gosto de as ler e sensibilizo-me, não sinto que faço especial falta à arbitragem, mais do que qualquer outra pessoa, mas sim que a arbitragem me faz falta a mim. Se alguma coisa de importante aprendi nos últimos 22 anos, foi isso.
Adorei rever pessoas que fazem parte da minha carreira como árbitro. A CAT de sempre …Prof. Pombo, Augusto Lourenço e José Rufino e tantos outros, a mesma humildade de sempre a mesma dedicação de sempre. Os mestres de sempre!
Vi homens de 40, 50 e 60 anos a chorar, observadores experimentados que continuam a dar o seu melhor pela arbitragem e a tentar estar lá quando a oportunidade aparece, sem desistirem sem fugirem de ir à luta, a darem a cara no momento, sem medo do insucesso que convive paredes meias com o sucesso.
A vida é feita disto e quando não nos mata, torna-nos mais fortes.
PARABÉNS aos que cumpriram o objetivo!
Os que conseguiram, têm que o continuar a provar todos os dias.
Os que falharam sabem onde falharam, mas nada garante que não voltem a falhar.
Sem drama, amanhã não será nada…faz parte e a vida é feita disso.
A única coisa garantida é que continuarão a lutar e voltarão a tentar, porque os que ali tiveram são feitos dessa fibra.

O RefereeTip agradece ao António Taia este magnifico artigo que sem dúvida trespassa o sentimento e espírito que é vivido por todos os intervenientes do mundo da arbitragem.


Convidamos todos os leitores a partilharem connosco artigos dos mesmo género deste.

Comentários

Anónimo disse…
A ARBITRAGEM existe pelos Árbitros ou os ÁRBITROS existem pela ARBITRAGEM!?

Caro António Taia,

Li atentamente o seu desabafo... revejo-me em 100% em toda esta realidade e em todo o turbilhão de sentimentos!
Nesse mesmo fim-de-semana, passei pelo mesmo. Sinto-me derrotado, pois é frustante e sufocante que ao fim de um ano, depois de tanto esforço, tanta dedicação e de me alhear da família... apenas em 24h não conseguir demonstrar tudo isso e como fruto não pertencer ao grupo dos eleitos! Enfim...

Só lhe quero deixar uma palavra de incentivo e pensamento positivo, a arbitragem precisa de todos nós e todos nós (de alguma forma)precisamos dela!

ASS: A.M.