Chegou o dia em que os árbitros dizem «deixem-nos trabalhar»

Os árbitros portugueses são a partir desta sexta-feira profissionais. O que é que isto quer dizer? Que vão ganhar dinheiro para arbitrar? Já ganhavam. Que vão deixar de errar nos jogos? Impossível enquanto forem humanos. Quer dizer que vão fazer da arbitragem o seu ofício principal (mesmo que possa não sê-lo em exclusivo). As perguntas que uns fazem e as respostas que outros dão poderão continuar por muito tempo depois de a profissionalização ter começado na arbitragem portuguesa. O que é que muda então? Mudam as condições em que os árbitros vão desempenhar a sua função, cuja última etapa é dirigir os jogos. 

De que é que os árbitros se queixa(va)m? A súmula foi feita nesta sexta-feira pelo presidente do Conselho de Arbitragem (CA) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) como preâmbulo do caminho apresentado para a melhor arbitragem possível. Foram apontados por Vítor Pereira os problemas nos centros de treino em relação às condições de trabalho, ao acompanhamento médico ou à inexistência de trabalho de apoio ao jogo. Acresciam as estas dificuldades técnicas o conflito profissional com outra atividade principal que tirava tempo de treino. E não foram esquecidos os problemas pessoais ao nível das consequências familiares do exercício de uma atividade até hoje «extra».

Nos calendários e mapas disponibilizados pela FPF podem ver-se as horas dedicadas ao treino pelos árbitros e árbitros assistentes durante a semana e, também, a composição dos centros de treino existentes.





A partir de agora, aqueles problemas enunciados pelo presidente do CA podem ser eliminados com a passagem da arbitragem a profissão de quem a exerce. Os árbitros profissionais vão agora ficar localizados obrigatoriamente em dois centros de treino: o da Maia e o do Monte da Galega. Vão passar a ter mais do dobro das horas de treino, vão trabalhar durante as semanas com uma equipa de vários técnicos de várias áreas para que o trabalho ao fim de semana nos jogos nacionais e – também nos jogos internacionais – tenha por base a melhor preparação possível. (Esta é uma situação que começa em fase de transição a meio desta época 2013/14, depois de um projeto piloto iniciado em 2010. A sua otimização aparecerá na temporada 2014/15.)

Nos centros técnicos para árbitros profissionais, as condições vão ser como nunca houve. Serão nove os juízes de campo que vão começar esta nova fase da arbitragem portuguesa, os árbitros portugueses com insígnias FIFA: «Olegário Benquerença (44 anos); Pedro Proença (43 anos); Duarte Gomes (40 anos); Jorge Sousa (38 anos); Carlos Xistra (39 anos); Artur Soares Dias (34 anos); João Capela (39 anos); Hugo Miguel (36 anos); e Marco Ferreira (36 anos).



Com os defeitos apontados e com as mudanças aplicadas, Pedro Henriques explicou aoMaisfutebol com exemplos práticos no que se traduz a nova profissionalização dos árbitros. «A grande vantagem não é os árbitros terem mais tempo. Isso é uma consequência. A grande vantagem é que vai haver profissionais de vários setores a fazer coisas que os árbitros nunca fizeram [para melhorar o trabalho destes].»

O comentador de arbitragem da TVI concretiza a explicação lembrando quando fez um trabalho de formação com José Peseiro que incluía a análise do treinador à forma de jogar das equipas que o antigo árbitro ia dirigir. Pedro Henriques recorda como esse trabalho foi útil, por exemplo, para fazer a sua movimentação em campo dado que já sabia, por outro exemplo, como a equipa A defendia nos cantos ou como os seus jogadores faziam as marcações aos adversários.

O mesmo se passará após os jogos. «Os profissionais que vão ajudar os árbitros serão alguémde fora que percebe de arbitragem e que vai fazer o debriefing», a análise ao desempenho da equipa de arbitragem para detetar as incorreções realizadas. Pedro Henriques lembra também quando Howard Webb veio a Portugal como árbitro profissional inglês explicar como fazia a recuperação de um dia para o outro após o jogo, ou como era assistido por um nutricionista para saber o que comer. Ou do exemplo que o comentador da TVI dá de si próprio quando tinha de ir tratar-se onde pudesse quando estava lesionado. «Os árbitros agora vão poder ser assistidos por médicos nos centros de treino onde estão.» 

Pedro Henriques lembra também a importância do dia seguinte a um mau jogo de um árbitro. A partir do ponto de vista de quem já não terá outra profissão para voltar no dia seguinte. «Se o jogo correu mal, já não tenho de ir para o emprego ouvir que deixei um penálti por marcar, se calhar logo no transporte para o emprego...» «O árbitro no dia seguinte descansa, vai para o centro de treino, não tem comentários depreciativos porque está é com a sua equipa e vão é analisar o que correu mal», explica. E evita-se também todo o desgaste familiar.

Na próxima época, os centros de treino terão a sua capacidade reforçada, a par com a intensificação em pleno do horário de trabalho dos árbitros.





Como estratégia diretiva desta estrutura, a FPF tem como intenção a «criação de [uma] entidade gestora da arbitragem do futebol profissional», a «solidificação da estrutura técnica de apoio» para sustentar a «gestão da arbitragem» tendo em vista a «constituição de [um] quadro» de árbitros e assistentes «com vínculo laboral». O propósito é o de «maximixar» receitas do espetáculo e pela garantia da «imparcialidade do jogo» bem como subir do atual 6º lugar do ranking para o «top 5» mundial.

Os objetivos são também claramente definidos: desde «aumentar o prestígio da competição» pela otimização das competências das equipas de arbitragem e melhoria dos seus desempenhos até aumentar a «margem de acerto e eficácia» para que também se consiga «aumentar a competitividade internacional». Mas Vítor Pereira assume também, entretanto, o que todos assumem: o novo modelo de arbitragem «não vai acabar com os erros. «Mas vai diminuir os erros e tornar a arbitragem mais competitiva», garantiu. Pedro Henriques reforça que é impossível conseguir não falhar uma decisão» porque «é tudo tão rápido», mas que «os erros vão ser reduzidos» e «vai aumentar a competência».

Questão é de mais competência, não apenas de dinheiro

Duarte Gomes alinhou também pelo afastamento do dinheiro do papel principal mostrando nas redes sociais a sua reação ao arranque da arbitragem profissional. «Profissionalizar a arbitragem não terminará com os erros. Tal como profissionalizar futebolistas não trouxe perfeição ao jogo», disse o árbitro FIFA, porém frisando que, agora é «possível passar a errar menos». «Muito menos», salientou.

E o árbitro não deixa de referir a questão do dinheiro que os árbitros vão ganhar apontando que o que «realmente oferece mais qualidade ao desempenho é o trabalho, associado obviamente ao talento de cada um». «Tal como acontece em qualquer atividade», lembra. Vítor Pereira destacou também que esta «é mais uma questão de qualidade», já que «a profissionalização não é só uma questão financeira».

Atualmente, os árbitros ganham:
Subsídio de jogo;
Prémio de jogo;
Recebem os seus patrocínios.

A partir deste dia 1 de novembro até 30 de maio de 2014, os árbitros profissionais vão ganhar:
Salário de 2.500 euros (brutos)
Prémio de jogo;
Patrocínios.

A partir de 2014/15 e nas épocas seguintes haverá três grupos (G1, G2 e G3) por ordem de competência:
Salário a 12 meses
Prémio de jogo
Bónus de desempenho.

A cargo da FPF ficarão o ordenado, as instalações e os equipamentos, a disponibilização das equipas técnicas e de fisioterapia bem como o acompanhamento médico, assim como o pagamentos dos seguros obrigatórios, como os de acidentes pessoais. A cargo dos árbitros profissionais ficarão as deslocações e estadias, as contribuições ficais e para a segurança social, bem como os seguros não obrigatórios para a FPF, como os de acidente de trabalho, de doença etc.. Vítor Pereira esclareceu que, no caso de um árbitro pago a recibos se lesionar e não puder trabalhar ,«não há salário». «Ou os árbitros estão aptos e recebem salário ou então haverá um seguro de saúde» que eles terão de fazer.

Atenção às avaliações

Na presente época vai haver os nove árbitros profissionais que já se referiu, na próxima a intenção é ter 12 a 14 árbitros e dez árbitros assistentes FIFA profissionais e, em 2015/16, subir o número de juízes de campo para o patamar entre 18 e 20.

O sistema de avaliações nesta época vai manter-se como até agora neste novo período que aqui começa, revelou Vítor Pereira. Mas Pedro Henriques aponta porém, uma questão que o presidente do CA tem de ter em conta. «Há árbitros que vão ter mais condições e outros menos. E o próprio árbitro profissional «não está sozinho em campo, faz parte de uma equipa». Pedro Henriques defende que Vítor Pereira «tem de fazer um discurso para dentro» para «explicar claramente» aos árbitros as avaliações «porque vão surgir questões».

O antigo juiz de campo analisa também que, dada a idade dos atuais árbitros em topo de carreira, quem vai beneficiar mais desta «estrutura» que está a ser montada são «os árbitros que estão agora a começar» porque já vão «apanhar [a máquina] em funcionamento». Mas, de uma coisa não tem dúvidas: «Em termos de competências, um profissional é sempre mais habilitado do que um amador.» Duarte Gomes deixa um apelo: «Deixem-nos trabalhar afincadamente naquilo que mais gostamos para que possamos responder cabalmente àquilo que o futebol português mais merece: incremento de qualidade.»

Fonte: Mais Futebol

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