Entrevista: Duarte Gomes e a Profissionalização


Duarte Gomes é um dos nove árbitros que passaram a ser profissionais nos últimos anos. O internacional português explica, numa entrevista concedida ao zerozero.pt, as mudanças e vantagens deste passo para a arbitragem portuguesa.
Está tudo no início mas há, desde logo, uma série de conclusões que se podem tirar. A profissionalização dos árbitros arrancou há poucos dias, teve o seu «passo zero» na última terça-feira e ganhará, passo a passo, uma seriedade que será sinónimo de melhoria para a classe em particular e, consequentemente, para o futebol em geral. Olegário Benquerença, Pedro Proença, Duarte Gomes, Jorge Sousa, Carlos Xistra, Artur Soares Dias, João Capela, Hugo Miguel e Marco Ferreira são os pioneiros.
Numa conversa franca e aberta Duarte Gomes sublinha, desde logo, que este projeto «não é de exclusividade mas de disponibilidade para a arbitragem». O que significa que os nove árbitros envolvidos nesta primeira fase tiveram que optar: ou manter as respetivas ocupações profissionais, desde que as mesmas permitissem total disponibilidade para a arbitragem, ou abdicar.

©Carlos Alberto Costa
«Cada qual pode, de acordo com  a sua gestão pessoal, familiar e profissional, fazer da sua vida o que quiser, desde que, quando a arbitragem solicitar, esteja disponível», sublinha Duarte Gomes, referindo-se, naturalmente, a três solicitações concretas: jogos, cursos ou estágios e as tardes de terça e quinta-feiras, sendo esta última o grande destaque deste processo.
«A novidade é passarmos de um registo de treino ao final do dia, onde à terça e quinta-feiras já havia uma orientação de treino físico, para termos quatro horas de trabalho sistematizado, duas das quais se aplicam a trabalho em sala, visionamento de vídeos, análise de casos de jogo, briefings dos jogos que fizemos e de outros de interesse, scouting para as equipas que vamos arbitrar... Um tipo de preparação que já fazíamos de forma amadora mas que agora passa a ser feita de uma forma mais coordenada, com apoio de audiovisuais e de técnicos de arbitragem, para fazermos um trabalho muito mais assertivo e teórico de preparação e análise de jogos». 
     O melhor dos jogadores falha penáltis e se calhar no treino marca 50. Não há milagres e não vamos desculpar a questão com erro humano porque esse é um lugar-comum. A verdade é que o futebol é isto mesmo, imediatismo, instinto, sorte. O [Pierluigi] Collina dizia uma coisa muito verdadeira que é ´don´t be lucky, be ready´ [Não esperes pela sorte, prepara-te para o que vier]. Temos que estar sempre à espera, sempre preparados
Além desta parte teórica há depois duas horas de trabalho físico, algo que o árbitro da Associação de Futebol de Lisboa também considera muito relevante: 
«É feito num grupo muito mais pequeno, o que permite trabalhar muito melhor, com um preparador físico a fazer um tipo de treino muito mais personalizado, de acordo com as características de cada um, quem teve jogo na véspera, quem vai ter jogo... Consegue-se preparar o treino físico muito melhor porque são menos elementos», explicou, algo que se consegue porque, para já, os tais nove profissionais se dividem em dois grupos de trabalho, cujas atividades serão desenvolvidas em Lisboa e no Porto.
Paralelamente, sublinha Duarte Gomes, este grupo de árbitros contará com apoio médico, o que «permite ganhar muito tempo na recuperação de uma lesão» pelo que a disponibilidade física e mental para o jogo é muito maior.
Aumento da pressão não assusta
Não há como fugir à questão. A profissionalização tratá mais pressão ao setor. Vítor Pereira, presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol falou num «aumento de competência» quando apresentou o projeto. Duarte Gomes concorda e rejeita qualquer receio acrescido com a pressão que, inevitavelmente, aumentará sobre os profissionais nos próximos tempos.
«É claramente isso [aumento de competência]. É nós conseguirmos trabalhar essas competências de forma a que pelo menos essas sejam claramente corrigidas e diminuídas. A pressão pode e vai aumentar e é bom que assim seja. O aumento de responsabilidade não é nada que nos assuste. Nós já trabalhamos com pressão há tanto tempo. Agora, vamos ter a responsabilidade de responder melhor», simplificou, confiante e certo de que a perfeição é uma miragem.
«Há dois tipos de erros, os de interpretação, que vão acontecer sempre, e os que têm a ver com a nossa desconcentração momentânea, erros de posicionamento, coisas tão básicas que podem ser melhoradas porque a concentração máxima tem que ser permanente. Podemos melhorar a concentração, o posicionamento em lances padrão, a forma pedagógica como abordamos os jogadores, o tipo de linguagem que usamos para os jogadores quando eles estão em stress ou mais calmos... Há coisas que são de sensibilidade e quase psicologia e tudo isso pode-se trabalhar em sala e em campo», explicou, acreditando que «a repetição faz a perfeição», o que significa que um trabalho «sistematizado» como o que vai passar a ser desenvolvido semanalmente, trará os seus frutos, «tal como os jogadores fazem nos treinos». 

©Catarina Morais
Duarte Gomes sublinha, no entanto, que «não há milagres», ciente de que nos próximos tempos os olhos estarão ainda mais atentos sobre o trabalho dos profissionais.
«Acho que vai haver barulho, mais ruído para os que são profissionais nesta primeira fase. Nos primeiros meses, cada vez que tenhamos o azar de cometer um erro, porque vamos cometê-los, vamos ter aquele estigma do ´És profissional porque erras?´. Vamos ter que saber viver com essa pressão. Estou convencido que será uma coisa diluída aos poucos, primeiro porque será falado enquanto for novidade, segundo porque esperamos, realmente, melhorar. É uma responsabilidade que sabemos que vamos ter mas estamos habituados a isso. Nós não vamos fazer milagres. Estou de consciência tranquila, certo de que o que vou fazer nos treinos, em sala e em campo, é o meu melhor para aprender, para me disponibilizar para mudar as coisas que estão erradas, para refocar uma série de aspetos que são importantes para a decisão final. O melhor dos jogadores falha penáltis e se calhar no treino marca 50. Não há milagres e não vamos desculpar a questão com erro humano porque esse é um lugar-comum. A verdade é que o futebol é isto mesmo, imediatismo, instinto, sorte. O [Pierluigi] Collina dizia uma coisa muito verdadeira que é ´don´t be lucky, be ready´ [Não esperes pela sorte, prepara-te para o que vier]. Temos que estar sempre à espera, sempre preparados».
E a reforma?
Este é, nas palavras do nosso entrevistado, «um processo faseado de inclusão» uma vez que neste início são nove os profissionais mas este número aumentará no próximo ano e, em última instância, pretende abranger todos os árbitros da primeira liga.
O pós-arbitragem é dos temas mais abordados, desde logo pela questão da carreira ser curta, como é a dos futebolistas. Sublinhando que «ninguém teve que deixar o seu trabalho», apenas «fez uma opção», Duarte Gomes considera que a partir do momento em que tudo estiver esclarecido e definido ao nível contratual e fiscal os árbitros, como qualquer outro profissional, entrarão «no mercado de trabalho normal».

©Catarina Morais
«Assim, a questão de acabar a carreira aos 45 anos deixa de fazer sentido. Desde que eu prove que estou apto quer a nível mental, quer a nível físico, para apitar jogos, desde que a entidade organizadora, Liga ou Federação mostre interesse nos meus serviços, o que me impede de apitar até aos 50, como acontece na Inglaterra ou na Holanda?»
Além disso, lembra, «também há saídas profissionais para os árbitros», como existem para os jogadores: 
«Alguém tem que assegurar a continuidade dos novos árbitros, alguém tem que dar formação, alguém tem que ser dirigente, observador, preparador físico... Claro que poderá haver alguma perda de qualidade de vida na remuneração mas também acontece com os jogadores. É uma escolha que tem riscos», simplificou, sublinhando, e sem se alongar muito no tema, que «o estigma de se associar profissionalização a dinheiro tem que ser desmistificado. São 300 milhões de euros por ano que o futebol português profissional movimenta. Este projeto tem um orçamento de 150 mil euros», lembra. 
Em jeito de remate, e já abordando mais a questão pessoal, Duarte Gomes assume, à semelhança da equipa das quinas, o desejo de marcar presença no Mundial 2014. Há, no entanto, muito poucas probabilidades de isso acontecer. Desde logo porque a FIFA define números mínimos de árbitros por continente, e por regra, salvo exceções raríssimas, é selecionado apenas um árbitro por país, o que significa que Pedro Proença é o primeiro da lista portuguesa por pertencer ao grupo de elite. As decisões só serão conhecidas em dezembro e a principal hipótese do árbitro natural do Funchal fazer parte dos eleitos é integrando a equipa do companheiro de profissionalização.

Fonte: Zerozero

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