Pedro Proença: o adeus de um árbitro diferente

Naquela noite de finais dos anos 80 eram cerca de 30 os alunos que iam ser avaliados pelos monitores do curso de árbitros da Associação de Futebol de Lisboa. 

Em grupos de três, iam arbitrar um jogo de treino dos juniores do Atlético, no campo de treinos do clube de Alcântara, em Lisboa. Um deles, o mais novo de todos, era Pedro Proença. 

«É extraordinário, temos árbitro. É raro aparecer um tipo como este», comentavam os monitores do banco de suplentes, impressionados com a segurança de árbitro batido daquele rapaz de 17 anos. 


Pedro Proença fotografado no dia do primeiro jogo como árbitro, em 1988 

Proença, que na altura jogava andebol no Benfica (antes tinha passado pelo Sporting), distinguia-se dos colegas de curso também pela condição física. 

«Era um grande atleta, com condições físicas extraordinárias, mas também era muito inteligente. Às vezes, no curso, punham-nos problemas do arco-da-velha. A bola que furava a caminho da baliza, por exemplo. Ele conseguia sempre encontrar uma lei que se enquadrasse na jogada. Era muito rápido a analisar as situações e a decidir. E decidia bem», recorda à MF TOTAL o jornalista João Matias, que tirou o curso de arbitragem com Pedro Proença. 

O ex-árbitro Pedro Henriques destaca a sua competitividade. «Somos mais ou menos da mesma geração e fizemos alguns cursos juntos. Éramos os árbitros mais rápidos e competíamos entre nós nas provas de 50, 100 e 200 metros. Os tempos? Seis segundos aos 50, 11 e tal aos 100 e 24 segundos aos 200 metros. 

Pedro Henriques conta que Proença não só tinha jeito para o apito, mas também para jogar futebol. «Costumávamos organizar algumas peladinhas e ele era muito bom jogador. E não gostava nada de perder. Era muito competitivo.» 

«Metódico, rigoroso e ambicioso», são alguns traços de personalidade que lhe identificam quem o conhece. 

Características que o ajudaram a subir na carreira. 



Antonino Silva foi um dos primeiros árbitros a trabalhar com Proença. «Foi meu assistente de 1989/90 a 90/91, quando eu estava na terceira categoria», conta à MF TOTAL o agora vice-presidente do Conselho de Arbitragem da FPF. «Sempre foi muito rigoroso. Não falhava um treino e, já na altura, estava bem referenciado.» 

Antonino Silva fala ainda de alguém estudioso e com uma «vontade imensa de aprender». «Quando íamos para os jogos, ele levava sempre um dossiê com as leis do jogo. Quando não era ele a conduzir, ia constantemente a massacrar-nos com isso durante viagens que chegavam a durar três horas. Tinha uma vontade imensa de aprender.» 

Árbitro desde 1988, Proença chegou à primeira categoria dez anos depois. Antes, porém, cumpriu a trajetória obrigatória a todos os árbitros: desde o primeiro jogo, no pelado do Damaiense (ver primeira foto do artigo), até ao último, a 20 de dezembro, no jogo de atribuição do terceiro e quarto lugares no Mundial de Clubes, em Marrocos. 
  
Momentos de tensão de um árbitro benfiquista assumido 

Durante mais de 20 anos, Proença passou pelo melhor – foi o primeiro árbitro a dirigir no mesmo ano (2012) as finais da Liga dos Campeões e do Campeonato da Europa – mas também pelo pior. Em agosto de 2011, foi agredido no Centro Comercial Colombo por um adepto do Benfica. Ficou sem dois dentes. «Podemos cair e ir ao tapete, mas nunca nos vencerão», reagiu o árbitro na sua página do Facebook

Alguns meses depois, em março de 2012, esteve no centro da polémica num Benfica-FC Porto, ao não assinalar um fora de jogo a Maicon no lance que deu aos portistas a vitória por 3-2 e a liderança isolada do campeonato à 21ª jornada do campeonato. «O senhor Proença que deixe de arbitrar jogos do Benfica, se ele se sente condicionado. Era um favor que prestava a todos os benfiquistas e ao futebol», reagiu Luís Filipe Vieira. 

O presidente dos encarnados referia-se ao facto de ser público que o árbitro era adepto do Benfica, situação que, entendia o dirigente, podia condicioná-lo. 

Em novembro, em entrevista ao jornal Record, teceu duras críticas ao Conselho de Arbitragem (CA). «Está instalado o caos», disse, acrescentando que a saída de Vítor Pereira da presidência do organismo seria «quase inevitável». «Essa situação foi ultrapassada. Ficou tudo esclarecido e já faz parte do passado. A arbitragem portuguesa ficou, a partir de hoje, muito mais pobre», diz o vice-presidente do CA, Antonino Silva. 

Em dezembro passado, Proença ficou de fora da final do Mundial de Clubes, entre Real Madrid e San Lorenzo, alegadamente por pressões do presidente do clube argentino. «É o momento de dar o lugar aos outro», desabafou na chegado ao aeroporto de Lisboa. 



«Vai fazer falta à arbitragem», comenta Quim em conversa com a MF TOTAL. O veterano guarda-redes, campeão nacional pelo Benfica em 2005 e em 2010, foi, talvez, um dos jogadores que mais horas passou com o antigo árbitro dentro de campo. Recorda Proença como um árbitro «diferente». «Há árbitros que não aceitam sequer um diálogo, mas o Pedro aceitava e, se fosse preciso, até justificava as situações. Tratava-nos com respeito, ao ponto de chamar ‘querido’ a toda a gente», diz entre risos. 
  
O adeus e o futuro 

Pedro Proença colocou esta quinta-feira, 22 de janeiro, um ponto final na carreira, exactamente uma semana após ter sido eleito o árbitro do século na Gala Quinas de Ouro, organizada no âmbito do centenário da Federação Portuguesa de Futebol. 



«Deixo uma imagem de profissionalismo, competência e credibilidade perante todos os agentes desportivos com os quais me cruzei ao longo de todo este tempo. Mesmo reconhecendo que possa ter errado em decisões dentro do campo e sofrendo com esses mesmos erros, estou consciente que tudo fiz no sentido de aperfeiçoar as minhas capacidades e o meu desempenho, num espírito sempre de superação a cada jogo, tentando deste modo contrariar a inevitabilidade do erro humano. (...) Fui um privilegiado», disse numa conferência de imprensa à qual marcaram presença nomes como Luís Filipe Vieira, Bruno de Carvalho, Fernando Gomes e Luís Duque. 

Diretor financeiro de uma empresa de resíduos com sede em Leiria, Proença acrescentou que é a isso (e à docência académica) que vai dedicar-se, não enjeitando, porém, a possibilidade de integrar projetos ligados à arbitragem. «Darei o meu contributo à arbitragem sempre que for solicitado.» 

Certo é que oportunidades não lhe faltam. A nível nacional, mas também internacional. Recentemente, na Conferência Football Talks, organizada no Estoril, Pierluigi Collina afirmou que o ex-árbitro português tem as portas abertas na UEFA. «Em março vai haver a nomeação dos novos membros do Comité da UEFA. Acredito que o futuro dele pode passar por aí. Se não for, penso que vai continuar ligado ao futebol. Ele não vai aguentar estar muito tempo afastado do futebol», preconiza Pedro Henriques. 

Até já, senhor árbitro.


Fonte: Mais Futebol

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